sexta-feira, 26 de novembro de 2010

MENINA DAS ÁRVORES - PARTE III

Por Ciro M. Costa


Alberto e Lucíola. Esses eram os funcionários de meu pai. Lucíola trabalhava ali no caixa há quase 2 anos e Alberto já estava lá há quase 15, no depósito, desde o início, quando meu pai comprara o armazém.
Lembro-me de quando pequeno, quando costumava ir ao armazém com meu pai, e Alberto me levava pro depósito, pra contar histórias sobre as mercadorias. Ele sempre com aquele jeito simpático e brincalhão, inventava histórias malucas sobre como as balas e chocolates haviam chegado lá, e eu adorava. Muitas vezes meu pai me chamou a atenção, dizendo que estava atrapalhando o serviço de Alberto. Porém, esse sempre me defendia, dizendo que não estava fazendo nada demais.
Mas Alberto mudara. E isso acontecera desde a chegada de Lucíola. Lucíola era dessas mulheres bonitas, dominadoras... e acredito que Alberto tenha se apaixonado. Alguns homens costumam mudar pra pior quando se apaixonam pela mulher errada. E Lucíola era a mulher errada. Nunca soube se eles chegaram a namorar, mas Alberto parecia um cão mandado quando estava com ela. E, acreditem, Lucíola não gostava de mim. Demorei um certo tempo até perceber que Alberto não era mais o mesmo comigo. Mal me cumprimentava quando chegava lá e muitas vezes me tratou com certa falta de educação. Estava irreconhecível.
Lucíola parecia ter uma ambição cretina. Sim, cretina. Por que querer ter um mero armazém? Talvez por vir de família muito humilde, ela acreditasse que aquilo seria o auge. Ou talvez quisesse o armazém para si e depois vendê-lo, para investir em algo melhor. Mas mesmo assim eu não entendia. Por que diabos ela pensaria que o armazém ficaria pra ela ou Alberto, depois que meu pai morresse, sendo que ele tinha um filho? Penso que ela me subestimava. Eu realmente não queria aquele armazém, mas essas desconfianças fizeram com que me dedicasse ainda mais.
Mas, pra variar, as coisas não foram fáceis...
- Joshua, sente-se aí. – disse meu pai, certa manhã, em seu mini e sujo escritório nos fundos do armazém.
- O que foi, pai? – perguntei, prevendo o pior. Conhecia aquele olhar severo.
- Ouvi falar que você anda fazendo corpo mole por aqui. Não quero saber disso.
- Quem falou isso?
- Não importa.
- Escute aqui, pai! Não tem que ficar ouvindo o que Lucíola fala pra você sobre mim. Ela não é boa pessoa!
- Quem é você pra falar uma coisa dessas? Saiba que Lucíola é uma pessoa de minha inteira confiança e está aqui há mais tempo que você.
- Sim, mas ela não está me ensinando o serviço como você recomendou. Ela fica me enrolando, pedindo para fazer outras coisas que não têm nada a ver com o serviço do caixa ou com os produtos. Certo dia ela falou o preço errado de uma lata de marrom glacê e por isso teve aquele problema com o freguês!
- Naquele dia você devia ter prestado mais atenção!
- Mas ela quem me disse o preço errado, então vendi errado!
- Mas você devia ter consultado. Lucíola tem muito serviço por aqui e é normal que se confunda algumas vezes!
- Ah, faça-me o favor!
- Não me responda, rapazinho! Não posso ficar zangado, você sabe como estou doente.
Fiquei em silêncio. Ele continuou, secamente:
- Não quero saber dessas divergências aqui dentro. Quero que você aprenda o serviço com Lucíola e Alberto para poder assumir os negócios da família. Se ela não quiser colaborar, pelo menos observe pra aprender.
- Então é assim? Ela não me ensina e eu que tenho que me virar? Eu quem vai levar chumbo grosso por aqui?
- Entenda como quiser. Se não quiser o serviço, arrumo outro pra por no seu lugar. Não quero gente desinteressada fazendo corpo mole. Sempre tive bom nome na praça e não quero que ninguém estrague isso. Agora, se quiser, volte para seu serviço e vá aprendendo o mais que puder.
Cheguei a abrir a boca pra retrucar, mas sabia que seria inútil. Conversar com aquele homem era um desperdício de palavras e saliva. Achei melhor voltar para o balcão, embora não gostasse da cara de satisfação de Lucíola. Nas costas de meu pai, ela não fazia questão de disfarçar. De alguma forma, ela sabia que sempre sairia ganhando. Que meu pai sempre estaria do lado dela e de Alberto, porque eles eram os funcionários que estavam ali há muito tempo, e eu era só o filho bobo que estava aprendendo.
Bobo. Joshua bobo.
Sim, claro. Havia Alice. Ela sim era uma pessoa com quem eu pudesse conversar. Ah, bela Alice! Naquele dia, apoiado no balcão, pensei se aquilo não tivesse sido um sonho. Um parque tranqüilo, bonitas árvores... e uma bela moça montada num galho, comendo uma fruta saborosa. Só podia ser sonho.
Se era ou não, fui interrompido por Lucíola:
- Joshua, faça-me um favor, vai pro depósito e pegue um saco de ração de cachorro pra mim.
- Mas isso não é serviço do Alberto?
- Quer aprender ou não o serviço, garoto?
- Sim, mas...
- É, vou ter que conversar com seu pai de novo.
Saí “pisando duro” (como diria meu avô) para o depósito. Xinguei mil nomes e Alberto, percebendo meu mau-humor, ainda “ajudou”:
- Pega aí o saco, moleque! Tá muito mole! Pra trabalhar aqui não pode ser molenga não.
“Pro inferno”, pensei, “pro IN-FER-NO!!!”.

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