sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

MENINA DAS ÁRVORES - PARTE VIII

Por Ciro M. Costa



Por um momento, pensei que aqueles dois estavam ali me encurralando para acabar comigo. Mas descartei esse pensamento no mesmo instante. Aquilo não era nenhum tipo de filme, seria ridículo demais fazerem isso. Ou não?
Ainda sorrindo e me encarando, Lucíola tirou um canivete do bolso, e rasgou um dos sacos de ração pra cachorro.
- Isso vai dar trabalho pra limpar depois... – eu disse, querendo parecer tranqüilo.
- Não tem problema. – ela disse. – Somos eu e Alberto quem vamos limpar a bagunça, assim que formos os donos desse armazém.
- Estou me sentindo em uma novela das nove agora. Você sabe que os vilões nunca vencem, não é?
- O único vilão aqui é você, moleque! Nunca deu duro na vida como eu e Alberto para o seu pai. Sempre fomos empregados fiéis a ele e deveríamos ter herdado 100% deste lugar!
- “Deveríamos”?? Que eu saiba, foi somente você quem recebeu uma parte desse lugar. Alberto não ficou com nada. Estou enganado, amigo?
- Não sou seu amigo. – disse Alberto, secamente.
- Talvez não hoje, mas já foi um dia. Um dia desses, antes de Lucíola aparecer em nossas vidas.
- Eu era seu amigo somente para agradar seu pai...
- Talvez, Alberto. Ou talvez você esteja apaixonado por essa daí e, sem querer, acabou virando o cachorrinho dela.
Súbito, Alberto pulou em cima de mim e agarrou meu pescoço. Idiotice a minha ter dito tal coisa, ele era bem mais forte que eu, e poderia me matar ali mesmo.
- O que foi que disse, moleque???
- Alberto... está... me machucando, cara...
- Por é que você não é como seu pai, hã? Por que é que tem que ser assim? Por que não foi legal com a gente?
- E-eu? O... que foi que... eu fiz??!?
Comecei a engasgar, então Alberto me soltou. Olhou para Lucíola, e esta continuava sorrindo, sem falar nada. Ele me olhou de novo, enquanto eu mal conseguia ficar de pé. Tive a impressão de que ele esperava que Lucíola o impedisse de algo.
Deve ter ficado um pouco decepcionado.
- Isso está errado. – ele disse. – O que estamos fazendo, Lucíola?
- Eu não fiz nada. – ela respondeu.
- Não fez? Que droga, você me obrigou a isso!
- Eu não obriguei ninguém. Você está fazendo tudo por conta própria.
- Eu pensei que o rapaz fosse nosso inimigo aqui dentro... mas ele tem razão! O que foi que ele nos fez? Eu gostava dele! Gostava de conversar com ele nesse depósito! Deus, pela primeira vez na vida, pensava comigo: “achei um lugar onde os patrões são pessoas boas!”. Então... tudo mudou quando você chegou! Você me pôs contra o garoto... e no final acabou ficando com metade do armazém!! Que idiota eu sou??
- Oras, pensou que sendo amigo desse imbecil conseguiria ficar com algo?
- Não!!! Nunca me interessei em ficar com nada disso aqui!! Eu era feliz! Tinha um grande amigo... e você estragou tudo para conseguir o que queria!!! Você não vale nada, sua...
- Olha a boca, Alberto! Não diga nada do que irá se arrepender.
- Você é uma vadia, Lucíola!! – dito isso, Alberto me estendeu sua mão. – Ei, Joshua, levante-se. Vamos embora daqui.
Ainda meio atordoado, peguei em sua mão.
- O que está fazendo?? Ainda não terminei minha conversa!! Mudando de lado, não me impedirá de conseguir...
- Eu sei o que você quer, Lucíola. – eu disse. – Vou conversar com o advogado amanhã de manhã e doar minha parte para você. Se quer tanto esse armazém, que fique com ele. Você tem razão, sempre deu mais duro aqui do que eu. Merece ficar com ele.
- E eu estou me demitindo! – disse Alberto, encarando-a.
Lucíola perdeu seu sorriso. Nunca soube se naquele momento ela estava arrependida, ou se estava excessivamente satisfeita com minha decisão, pois nunca mais a vi em minha vida.
Quando estávamos do lado de fora, Alberto, com lágrimas nos olhos, me disse:
- Ei, amigo, desculpe por tudo. Eu não quis dizer aquilo.
- Não se preocupe, Alberto. Sei como são as coisas. – e fui sincero. De certa forma, já o havia perdoado bem antes.
- Não, Joshua. Quero que realmente me perdoe por tudo. Eu fui um tolo, e você sempre foi um bom rapaz. Seu pai o obrigava a ficar aqui contra sua vontade, mas sempre percebi que você tinha capacidade de arrumar coisa melhor, ao contrário de mim.
- Percebi isso hoje, Alberto. Mas você também tem capacidade para coisas maiores. Tem bom coração, amigo. Só não se deixe mais levar pela ambição dos outros.
- Não, aprendi minha lição. Vou voltar pra minha cidade natal e recomeçar minha vida.
Naquela tarde, eu e Alberto ainda fomos para uma lanchonete e conversamos ainda mais um bocado. Quem nos visse ali, rindo daquele jeito, nem imaginaria que mais cedo ele estava com suas mãos em meu pescoço, tentando me matar.
- Gostaria de ver a cara de Lucíola agora. – ele disse. – Com certeza, ainda está naquele armazém, paralisada! Hahahahhahahaha!!!
- Hahahahahhahahah!! Pois é, imagine você se ela...
Então, pela janela, eu a vi.
Alice.
Pedi licença a Alberto, dizendo que precisava resolver um assunto urgente. Ele não se importou e ainda pagou a conta.
- Esse foi o nosso “lanche do perdão”, certo? – ele disse, e piscou um olho.
Quando cheguei do lado de fora, Alice não estava mais lá.
Mas de alguma forma, eu sabia onde ela estava. E era pra lá que iria.

Nenhum comentário: