sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

MENINA DAS ÁRVORES - PARTE VII

Por Ciro M. Costa


É desnecessário dizer que aquele foi o pior final de ano de minha vida. Três semanas após a morte de meu pai e minha mãe, lá estava eu, tentando decidir com meu advogado e meus inimigos, quem, afinal, ficaria com o armazém de meu pai.
Na verdade, não me interessava nenhum pouco ficar com aquele armazém. Por mim, dava ele pra qualquer um. Mas não podia aceitar a idéia daquilo tudo ficar com Lucíola e Alberto. Talvez para Alberto, se não tivesse virado um cachorro mandado idiota.
Durante a leitura do testamento, os dois ficavam me encarando constantemente. Com certeza, se tivessem os poderes do Super-Homem naquele momento, eu já teria morrido queimado há muito tempo...
- ... a casa, o carro e um terreno na Rua Santa Geórgia ficarão com seu único filho, Joshua Peres. – dizia o advogado. – Quanto ao armazém, era desejo do Sr. Peres que ele ficasse...
Neste momento, os olhos de Lucíola pareceram querer saltar das órbitas, de tanta ansiedade.
- ... 50% para Joshua Peres... e 50% para sua dedicada empregada, Lucíola Tavares.
- Não!! Não pode ser!! Como meu pai...
- O Sr. Peres entendia que Lucíola, como bom tempo sendo sua funcionária, tinha direito a metade do armazém, Sr. Joshua.
- Não achou justo, Joshua? – perguntou Lucíola.
- Não, eu não achei, sua aproveitadora de uma...
- Acho melhor nos acalmarmos! – disse meu advogado, me puxando para um canto. – Você já ficou com a casa, o carro e o terreno! Para quê queria também 100% do armazém de que você nem gosta??
- Você não entende, Dr. Saul!! Lucíola não merecia 1% sequer daquele lugar! Meu pai deveria estar ‘de rolo’ com essa mulher, só pode!
- Isso é algo desagradável para se dizer, Sr. Joshua.
- É que estou furioso!!!
- Então, sugiro que venda sua parte para essa mulher. Ou aprenda a conviver com ela no mesmo local de trabalho.
Dr. Saul não sabia realmente o que estava falando. As pessoas vivem nos dizendo isso de “tem que aturar”, “tem que ter paciência com seu inimigo”... mas só quando a situação não é com elas! Eu conhecia Lucíola. Ela faria de tudo para ficar com o armazém só para ela. E duvido muito que ela quisesse comprar minha parte. Com certeza, ela daria outro jeito nisso...
Saí daquele lugar pensativo. Do lado de fora, vi Lucíola comentar com Alberto que comemorariam naquela noite. Pareciam satisfeitos, mesmo ela tendo levado a metade.
- Vamos ver se leva as coisas um pouco a sério agora, molengão! – disse-me Alberto, com cara de poucos amigos, e Lucíola riu.
Ignorei aquilo, apesar da imensa vontade de revidar.
Para completar minha infelicidade às vésperas daquele natal, Alice havia sumido. Todos os dias eu estava lá, naquele mesmo parque, esperando por ela, e nada. O que afinal, havia acontecido? Depois daquele dia e de sua reação estranha, eu não podia deixar de ficar pensativo. Por que é que tudo estava dando errado na minha vida?? Será que, de alguma forma, Alice estava ligada a tudo isso? Não, impossível! Uma moça tão bela e de tez tão agradável, jamais poderia trazer desgraças a um homem! Tudo não passava de coincidência. Triste coincidência...

Na segunda-feira, depois do final de semana de natal, levantei-me bem cedo e fui até o armazém. Era preciso começar a colocar as coisas e ordem e ver como ficariam as minhas funções e do “casalzinho do inferno”.
Quando cheguei lá, Lucíola e Alberto já estavam trabalhando.
- Até que enfim, chegou, rapazinho. – disse ela, cínica. – Alberto está precisando de ajuda no depósito.
Com vontade de rir, respondi:
- E quem disse que vim para trabalhar no depósito?
- Eu estou dizendo, Joshua. Você sabe que minha função aqui é a mais importante e...
- Sua função é a mesma porcaria de sempre, minha amiga. Só que agora, cada um de nós faz metade dela. Só precisamos entrar em um acordo, como quem faz o quê.
- Eu não preciso de ninguém fazendo metade do meu trabalho. Além disso seu pai dizia...
- Meu pai está há sete palmos de terra abaixo agora, senhorita. E, antes de ir pra lá, ele deixou metade disso daqui pra mim. Portanto, você não manda mais ou menos que eu.
Parecendo prever que uma discussão estava por vir, Alberto apareceu:
- O molengão tá te respondendo aí, Lucíola?
- É o que parece, Alberto. Ele não quer aceitar o lugar dele, como sempre.
Virei as costas e fui para o lugar onde era o escritório de meu pai. Ali fiquei durante toda a semana, tentando achar algo pra fazer (verificar papéis e notas em pendência, documentos que não eram mais necessários, etc). Ao mesmo tempo, eu discutia com Alberto e Lucíola todos os dias, sobre os mesmos motivos de sempre. Juro que tentei ser amigável na maioria das vezes, mas parecia que eles queriam me provocar pra valer. Como se quisessem que eu desistisse de tudo de uma vez.
Devo dizer que aquela demorada semana não terminou nada bem, como se aquele final de ano já estivesse sendo trágico o suficiente...
Estranhamente, na sexta-feira, quase de noite e já no final do expediente, Alberto me chamou no depósito.
- Venha até aqui, preciso que me ajude com um cadeado.
Estava um pouco desconfiado pelo seu tom de voz, mas fui até lá. Quando entrei, Lucíola fechou a porta atrás de mim e a trancou.
- O que foi agora, pessoal? – perguntei. – Que palhaçada é essa?
- Está na hora de se fazer justiça à moda antiga. – disse Alberto.
E Lucíola deu um sincero sorriso.

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